sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Lembranças

Dei risadas sozinho hoje. Lembrei de quando era fotógrafo do Jornal do Brasil, na sucursal de São Paulo, e fui um domingo bem cedinho fazer o Maluf na eleição acho que pra governador. Desde antes das 7 da matina já tava um empurra empurra. O carro dele parou, e foi aquela guerra. Eu, magro e baixo, consegui por pura intuição acompanhar, na frenta, toda a notícia. Meia hora depois, quando ele partiu, eu pensei: Não coloquei filme na máquina! Um rolo só não daria...Confiro abrindo a velha F3. Ela lá, vazia..
Voei pra redação - era na Paulista, onde o hoje editor do Estadão Armando Fávaro me aceitou pra trabalhar com ele. Liguei pro Rio e contei a verdade:
Pô, voces precisam mandar equipamento melhor pra cá. A máquina travou ...

Pouco tempo depois, eleições de 2002,  a equipe do Ciro Gomes - que naquele momento estava líder nas pesquisas presidenciais, convocou a imprensa pra fazer o making off da gravação de um programa dele.
Fui pelo Estadão e encontrei o Lilo lá. Umas quatro horas depois, no mínimo, nada do Ciro chegar, um assessor sai da pequena casa no Bexiga, estúdio da equipe do cearense, e alardeia:
" O Ciro vai chegar em breve".
Uma hora  mais tarde, já começo de noite, o tal assessor sai pra pegar uma coxinha no bar mais próximo. Assim como nós, uns trinta pelo menos, devia ter fome.
O Lilo, também de saco cheio de ficar parado numa calçada há horas,  mandou na orelha dele:
O meu, esta pauta está mais pra off  do que making!!
O cara subiu, comprou a coxinha, dobrou a esquina e sumiu.
E o Ciro não apareceu..

terça-feira, 3 de abril de 2012

www.liloclareto.com.br

Você viu o brilho da dor nos olhos das pessoas.
Você sofreu com elas.
Você pisou nas cinzas, na brasa e respirou
a fumaça do incêndio. Você sentiu o cheiro da morte
e quase pisou na poça de sangue.
Você tropeçou no cadáver
e quase levou um tiro. Você estava no confronto.
Você ouviu os gritos nas entranhas da rebelião.
Você contou os mortos.
Você levou porrada da polícia
e foi ameaçado pelo traficante.
Você esteve no coração do lar
daquela família dilacerada pela violência.
Você viu de perto a fome e o desemprego.
Ninguém melhor que você sabe o significado físico
da miséria, da exclusão social, da má distribuição de renda.
Porque você esteve também em banquetes nababescos.
Você desceu as ruas da favela e subiu nos elevadores da FIESP.
Você sabe o que é Brasilândia, Jardim Ângela, Sesc Itaquera
e sabe o que é Leopoldo, Fasano e Credicard Hall.
Você viu muito bem onde foi enfiado o dinheiro dos impostos.
Você provou um pouco da vida de quem tem muito,
muito mais do que necessitaria ter. Você comeu caviar.
Você viu a luz na expressão do artista
e desejou a boca, as pernas, os seios da modelo.
Você se excitou. Se duvidar, você a amou.
Você fitou o semblante do homem santo,
você orou com a multidão. Você foi quase santo.
Você quase beijou o umbigo da passista
e sambou na avenida. Foi pagão entre pagãos.
Você aprisionou a alma do Ianomami
e ainda tem sua alma presa em uma aldeia.
Você viveu a glória das vitórias e o desespero das derrotas.
Você esteve sempre ali, na cara do gol.
Você ensurdeceu com o ronco dos motores
e aspirou o cheiro de combustível nos cock pits.
Você chorou com toda aquela gente a morte do campeão.
Você estava lá quando o povo foi para as ruas
e derrubou o presidente. Você se misturou aos cara pintadas.
Na festa democrática das eleições
você também estava lá. E se emocionou.
Você se angustiou com a dor das diferenças,
com a tragédia das fatalidades. Você sofreu.
Você bebeu o riso das grandes euforias
e pôs nos olhos os brilhos das apoteoses. Você viveu!

Você vive muito! Você vive intenso !
Por isso você bebe. Você fuma, ri alto,
protesta, provoca, faz festa.
E é tachado de maluco, transviado, inconseqüente,
alucinado, irresponsável, inconveniente...
Também assim chamam os poetas.

Por isso não ligue para os humores daqueles
que não te entendem e, sentados atrás da mesa,
na frieza dos monitores e do ar condicionado,
arautos do dead line aguardam, impacientes, sua foto.
Entenda: Eles só podem viver depois do fechamento...

@ Lilo

Amém